Por Paulo Metri.

Antes de entrar no tema especifico, enfatizo que um investimento do Estado pode ser extremamente atraente para a sociedade, o que nem sempre ocorre com investimentos privados. Em anos passados, o Estado foi obrigado a investir na construção de unidades de geração elétrica, basicamente de hidrelétricas, para evitar novos “blackouts”. Na época, não se usava o termo “apagões”.

A iniciativa privada não queria investir em empreendimentos que requeressem altos valores no início do fluxo de caixa e tivessem grande prazo de maturação. É bom lembrar que, se maiores e mais frequentes apagões ocorressem, estes seriam um gargalo para a industrialização e o desenvolvimento brasileiro.

Desta forma, criticar, hoje, o tamanho do setor elétrico estatal é desonesto, pois ele tem o tamanho que foi necessário para ocorrer o desejado desenvolvimento econômico. Além disso, é uma empresa econômica e socialmente eficiente.

Para mostrar a importância da geração elétrica, apoio-me na frase de Lenin proferida em 1919: “O socialismo significa os sovietes mais a eletricidade.” Nesta época, surgia a segunda revolução industrial. Se o carvão, a máquina a vapor e o ferro caracterizaram a primeira fase desta revolução, a segunda foi caracterizada pelo petróleo, a eletricidade e o aço. A frase de Lenin salientava a importância da eletricidade para mover novos motores e equipamentos diversos, impulsionando a economia.

Ouço, com frequência, que a sociedade brasileira pode ser bem atendida através da Eletrobras privatizada e as agências reguladoras e outros órgãos governamentais que interferem nas suas decisões, como Aneel, ANA, ONS e EPE. Esta é, em grande parte, uma inverdade. As agências e alguns órgãos de governo, que serviriam para induzir o setor privado a tomar decisões benéficas à sociedade, em geral, fracassaram rotundamente.

A ANP, que tinha criado um mecanismo obrigatório de compras locais mínimas, “flexibilizou” este mecanismo. A Anatel regula o setor de telecomunicações, que tem uma das maiores tarifas de celular do mundo. A Aneel, quando veio à tona a cobrança errada, a mais, de consumidores de energia elétrica, por parte das empresas distribuidoras, durante mais de dez anos, apressou-se em dizer que não haveria como as empresas devolverem este dinheiro.

O que se entrega ao se privatizar a Eletrobras é, na verdade, a água daquele rio onde existe uma unidade geradora desta empresa. Esta água tem diversos possíveis aproveitamentos e usos, além da geração elétrica, que estarão comprometidos. O primeiro deles é saciar a sede de humanos e animais. Lembramos que a satisfação da sede humana é considerada um direito de cada ser. Depois, existem também os usos para a higiene humana, a cocção de alimentos e saneamento. Também, são usos a irrigação de plantações, o transporte de pessoas e bens pelo rio e a piscicultura no rio.

Por possuir o controle da água ser muito estratégico, em países com grande participação da hidreletricidade, como Noruega, Suécia, Canadá e Estados Unidos, o setor é possuído pelo Estado, sendo que, no caso estadunidense, expoente do neoliberalismo, ele é possuído pelo Exército deste país.

Outro aspecto que está sendo esquecido neste debate é que, com a privatização da Eletrobras, vão transformar um monopólio estatal em monopólio privado. Um monopólio privado corresponde, na maioria das vezes, ao pior dos mundos, enquanto o monopólio estatal pode até ser o melhor dos mundos, se existir controle social da empresa.

No caso da Eletrobras, ela certamente não se beneficiou por ter o domínio do mercado. Entretanto, se ela for privatizada, a sociedade será penalizada com preços abusivos da energia elétrica. Aconteceu isto com o setor do petróleo, pois privatizaram vários ativos da Petrobras, e a gasolina, o diesel e o gás de cozinha só fazem crescer.

Há ainda outros critérios de análise da privatização versus a continuação da Eletrobras como estatal. Por exemplo, a empresa como estatal pode, diferentemente da empresa privada, seguir políticas públicas, acarretadoras de desenvolvimento, sem perda de suas atividades principais, que são a geração e o transporte de eletricidade. Algumas das políticas públicas são, como exemplo:

1) a compra no pais de máquinas, equipamentos e insumos;

2) a contratação de pesquisas e desenvolvimentos em Centros de Pesquisa e Empresas locais;

3) a contratação de empresa de Engenharia e Construtora nacionais.

Uma irracionalidade está sendo cometida com esta privatização. A existência da Eletrobras pode ser considerada como uma política de Estado, respeitada por todos os governos desde 1953 e, nela, milhões de cidadãos viram seus tributos pagos sendo investidos.

Entretanto, um dos piores conjuntos de congressistas desde a proclamação da República resolve vendê-la na “bacia das almas”. Só vejo uma razão explicativa para a aberração que esta privatização consiste. Ela permite que muita propina seja distribuída, com o desfazimento de patrimônio da sociedade.

 

Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia.